domingo, 25 de setembro de 2011

Vila da Barca: 3/4 das obras seguem no papel

Vila da Barca: 3/4 das obras seguem no papel (Foto: Ney Marcondes)
O sonho e o pesadelo acompanham há mais de oito anos a rotina de 600 famílias da antiga Vila da Barca. Um projeto que tinha tudo para ser exemplo de competência de gestão pública e de qualidade de vida para uma comunidade pobre está sob gravíssima suspeita de superfaturamento, incriminando a gestão do prefeito de Belém, Duciomar Costa. A obra começou em 2003, ainda na administração de Edmilson Rodrigues, atravessa dois mandatos de Costa e tem tudo para ser repassada como enorme abacaxi para o sucessor do atual prefeito.
Falta ainda construir 460 moradias para os sem-teto que foram removidos das palafitas onde viviam e que hoje se espremem em quitinetes pagos pela prefeitura, enquanto aguardam o término da obra parada desde 2007. As notícias oficiais que chegam, no entanto, não são nada boas. De acordo com informações do Ministério da Fazenda e Caixa Econômica Federal (CEF), dos R$ 89 milhões de recursos previstos para as 606 moradias, já foram gastos R$ 42 milhões desde 2005, somente na construção de 148 pequenos apartamentos.
Dividindo o dinheiro liberado para a obra e o que efetivamente saiu do papel - menos de um quarto previsto no projeto -, temos o metro quadrado mais caro de Belém em uma das áreas mais pobres da cidade. Ou seja, mais de R$ 283 mil por cada moradia. Um valor caríssimo para a má qualidade do serviço. Os ocupantes das moradias se queixam de infiltrações e rachaduras. Portas e janelas são inadequadas para o clima da região e não há coluna de sustentação nas edificações.
Cada chuva forte e com vento se transforma em tormento para as famílias, que temem desabamento. Em cada moradia há dois quartos, banheiro, cozinha, sala e área de serviço, dispostos em 58 m2. Cada um dos blocos, de dois e três andares, abriga de quatro a seis apartamentos. Por R$ 283 mil em apertados 58 m2, o preço final do metro quadrado de cada apartamento da Vila da Barca ficaria em R$ 4,8 mil entregue pela construtora à prefeitura.
Para se ter uma ideia do absurdo que é a obra de Duciomar, um apartamento de luxo em área nobre de Belém custa em torno de R$ 6 mil para a construtora.
CGU e MPs acompanham o caso
A Controladoria-Geral da União (CGU) investiga o projeto desde maio passado para saber o tamanho do buraco provocado pela má utilização do dinheiro público. Uma pista do superfaturamento pode estar nos inúmeros termos aditivos celebrados nos seis contratos da malsinada obra paralisada desde 2007. José Rodrigues, um dos 460 moradores que até hoje não viram a cor do apartamento prometido pelo prefeito Duciomar Costa, resume o drama das famílias em um contundente desabafo: “isso aqui é uma vergonha, é só corrupção e papo furado”.
A empresa UNI Engenharia, que teve seu contrato rescindido pela prefeitura, também é investigada. Técnicos da CGU que estiveram na Vila da Barca em abril deste ano são incisivos em dizer que os R$ 42 milhões até agora gastos seriam incompatíveis com o volume dos serviços executados. Os Ministérios Públicos do Estado e Federal também acompanham o caso com interesse e preocupação.
Para o deputado federal José Priante, autor do pedido de informações ao Ministério da Fazenda e à Caixa Econômica, a resposta das autoridades revela números “estarrecedores”, que provocam a indignação dele e também das famílias que seriam beneficiadas pelo projeto. “É uma obra que já tem quase uma década e atravessa três mandatos de prefeito. Isto é um indicador da bagunça administrativa que reina na prefeitura de Belém”, afirmou Priante.
Segundo ele, é inadmissível que metade do dinheiro tenha sido gasto em menos de um quarto da obra. Por conta disso, o metro quadrado na Vila da Barca estaria “entre os mais caros de Belém”, pelo menos para a prefeitura, e não para as famílias que acreditaram em um projeto de moradia popular. As palavras para definir o que está acontecendo, na avaliação do deputado, seriam má gestão pública e pouco zelo pelos moradores. Além disso, há completo “descontrole financeiro”.
Indagado sobre a solução para o problema, respondeu que é necessária uma auditoria urgente para identificar como e onde foi gasto o dinheiro repassado pelo governo federal. “Tem que ver até onde vai a responsabilidade do prefeito Edmilson Rodrigues, que foi quem começou o projeto, e do prefeito Duciomar Costa, que está há quase oito anos no cargo e recebeu a maioria dos recursos”. O dever de buscar a apuração das irregularidades, resume Priante, é da Câmara Municipal de Belém, que tem de cumprir seu papel fiscalizador dos atos do prefeito.
Prefeito de Belém culpa empresa por atraso nas obras
O prefeito Duciomar Costa apresentou suas justificativas para a demora da obra da Vila da Barca que se arrasta por mais de oito anos e que até agora não possui qualquer data ou estimativa de conclusão. Segundo o prefeito, a demora foi por culpa da empresa UNI Engenharia, cujo contrato foi rescindido em março deste ano.
 
Costa explicou que o Projeto da Vila da Barca é dividido em três etapas, sendo que a primeira foi concluída e entregue em 27 de dezembro de 2007. Segundo ele, diante da morosidade no andamento das obras nas segunda e terceira etapas, “não restou outra alternativa à Prefeitura senão o destrato unilateral com a UNI Engenharia, fato que foi comunicado à empresa em 11/03/2011”.
 
Em relação aos termos aditivos, Duciomar diz que em 15 de setembro de 2011 foi aprovada a reprogramação da 2ª Etapa pela Caixa Econômica Federal, autorizando a Sehab o início de um novo processo licitatório. “No momento, a secretaria aguarda o fechamento da licitação para reinício das obras”, garantiu.
Sobre alterações no projeto, o prefeito diz que em relação à 3ª Etapa, “houve a necessidade de readequação dos projetos para atender o aumento de demanda por unidades mistas (Unidade Habitacional e Comércios), sendo necessária a contratação de empresa especializada para elaboração de novo projeto de urbanização com aumento de metas”. Duciomar informa ainda que o novo projeto será imediatamente enviado à Caixa Econômica para análise e aprovação.
Em relação à informação do Ministério da Fazenda e da Caixa de que 406 moradias não foram até hoje construídas, Duciomar diz que a execução desse trabalho foi prejudicado pela construtora responsável e que as obras têm previsão de começo no início de 2012.
Sobre o custo final das 148 moradias já construídas, que revelam que cada moradia popular saiu por custo superior a R$ 200 mil, Duciomar limitou-se a responder que “a construção das 136 unidades habitacionais da 1ª Etapa, e não 148, tiveram um custo médio de R$ 66 mil cada unidade”.
Quanto à demora na conclusão do projeto, levando-se em conta que nem um quarto foi entregue, embora quase metade dos recursos tenham sido liberados, o prefeito disse que houve diversos problemas em relação à Vila da Barca, “a tal ponto que precisamos dissolver o contrato com empresa contratada em função principalmente do não cumprimento de prazos”, mas que “os recursos para continuidade e finalização das obras estão assegurados, graças a parceria entre a Prefeitura de Belém e o Ministério das Cidades”. (Diário do Pará)

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