Lei Kandir impede de administrar decentemente
O Estado do Pará, como é conhecido em 2011, tem um câncer. E assim como todos os cânceres, ele ataca um órgão em específico e compromete o ser vivo como um todo: não necessariamente por atacar outros órgãos, mas porque a falência da fração vitimada reduz a mobilidade, gera insuficiência e depressão - imunológica e psicológica.
Com o Pará não é diferente. Uma região de nosso estado sofre de um câncer, um câncer tributário, que o impossibilita de ser governado decentemente. Seu nome é Lei Kandir e o nome da região é o Sudeste Paraense.
Entendendo a Lei Kandir
No começo do governo FHC (1995-2002), o então ministro da fazenda e deputado federal licenciado Antônio Kandir (PSDB/SP) lançou uma lei que levou seu sobrenome como batismo - uma das leis que construíram o Plano Real.
O Plano Real elegeu, entre seus pilares, uma política econômica de repressão ao mercado interno e valorização do externo: neste sentido, manter uma alta taxa de juros (SELIC, a taxa básica da economia) e largos incentivos às empresas exportadoras - independendo de sua nacionalidade - era tática primordial.
Dentre os incentivos está a isenção de um imposto estadual que é naturalmente a principal fonte de recursos para qualquer estado: o ICMS. Isto implica dizer que todas as unidades federativas deixariam de auferir tributos de suas empresas exportadoras, diminuindo sensivelmente o poder de ação de muitos governantes regionais.
Visualizando o descontentamento de governadores, deputados federais e senadores, o presidente Fernando Henrique Cardoso firmou um acordo de cavalheiros com esses políticos, no qual a União Federal se comprometeria em corrigir a defasagem: não sob a obrigação de alguma lei em si, mas como "voluntárias" na distribuição geográfica de obras e recursos federais.
Não houve um controle firme do tamanho da defasagem e o acordo não foi cumprido à risca. Assim, não é necessário entender muito de lógica para perceber que alguns estados - os mais voltados ao mercado externo - tinham grande produção porém pouca arrecadação. Este é o caso típico do Pará.
Exportações paraenses
Em absoluto, o Pará foi um dos mais castigados pelo pacote - e talvez "o mais", em percentual à sua própria economia. Detentor de imensas reservas de diversos minérios e eldorado das mineradoras, seu solo abriga as operações de transnacionais, como a Companhia Vale do Rio Doce, e a área de mineração está adstrita quase integralmente ao Sudeste Paraense. Municípios como Marabá, Canaã dos Carajás e principalmente Parauapebas concentram investimentos bilionários no setor.
Segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), em 2008 o Pará exportou US$10,68 bilhões e, em 2009, importou pouco menos de US$0,8 bilhão.
Em exportações, ficamos atrás apenas de cinco gigantes: Rio, SP, Minas, Rio Grande do Sul e Paraná (2008) - equivalemos a 5,4% da balança nacional. Porém em importações ficamos bem distante. Todos sabem que o nível de consumo de uma população é uma função direta de seu poder de compra: o Pará é pessimamente remunerado pela contribuição que dá. Basta olhar para a balança comercial (10,68 contra 0,8!).
ICMS
Em 2009, de tudo que o estado paraense vendeu a outros países, nada menos que 82,95% foram de bens minerais (incluindo aí ouro, silícios e caulim). No mesmo ano, a contribuição dos minérios representou apenas 1,14% (R$51,6 milhões) na arrecadação do ICMS (fonte: SEFA/SIAT - balanco contábil). Observa-se assim que o "Pará exportador" está quase totalmente restrito à região separatista sudeste.
Compensação
Nesta polêmica questão sobre o fracionamento estadual para criação de novas unidades federativas, o aspecto tributário representa um dos maiores dilemas. Sem entrar no mérito de se a Lei Kandir deve ser revogada ou se a União Federal deve, rigorosamente, custear a diferença, a certeza é não ser possível governar decentemente um lugar onde a maior fonte criadora de riquezas sai ilesa de contribuir, enquanto o cidadão comum contribui com boa parte de sua renda.
Podem até emancipar da região do Sudeste Paraense, receberá 10 anos de subsídios federais, mas eu pergunto: e depois desses 10 anos?
Para o atual Pará abrir mão dessa região significa, sob a ótica arrecadatória, renunciar a um potencial de grande fonte. "Potencial" porque hoje já existe forte discussão no Congresso Nacional, inclusive contando com o consenso de lados políticos opostos, sobre sua alteração.
Cobrando a diferença
Pelo que percebo, os separatistas pouco ou quase nada falam sobre o aspecto fiscal da secessão. Parece que criando um novo organograma, e assim usufruindo de verbas federais extras, eles querem cobrar forçosamente o valor isentado em ICMS. Contudo, a divisão tratá implicações de diversas ordens, inclusive histórico-culturais para o estado-mãe.
A nossa luta precisa ser, então, não pela criação de um novo estado, mas sim pela expansão orçamentária do ente federado que está sendo alvo de tensões separatistas: possibilitando instalação de infraestrutura onde é precária e melhoria da qualidade de vida daquela população.
Fica a pergunta: o que faremos com esse problema: tratar o câncer ou amputar a região tomada pela doença?
Fonte: Blog Alan Lemos
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