domingo, 17 de fevereiro de 2013

Legislativo vai investigar construtora


As irregularidades cometidas pela construtora Freire Mello, que envolvem a construção de empreendimentos, como os conjuntos habitacionais Água Cristal e Cristal Ville, entre outros, em uma área de preservação ambiental na Avenida Independência, no bairro de Val-de-Cans, em Belém, agora será alvo de investigação da Assembleia Legislativa e da Câmara Municipal de Belém. A devastação de 37 hectares de área verde chamou a atenção de parlamentares, provocando a formação de comissões, tanto na Alepa, quanto na Câmara, que já na próxima semana devem se reunir para acompanhar de perto as investigações do Ministério Público do Estado (MPE), onde o caso já é objeto de investigação há quase um ano na Promotoria de Urbanismo.
Desde o segundo semestre do ano passado, foi instaurado um procedimento administrativo para apurar, entre outros pontos, a legalidade do terreno negociado pela Marinha com a construtora, além dos impactos ambientais causados no local, após o desmatamento de 1,7 mil árvores nativas e o aterramento de vários olhos d’água existentes no lugar. Como as investigações ainda devem levar alguns meses, e a temática é de extrema relevância para o interesse público, a vereadora Marinor Brito (PSOL) garantiu que encabeçará na Câmara a comissão que vai cobrar celeridade do MPE. “É preciso acompanhar de perto este inquérito, já que a gestão municipal passada é completamente manchada por irregularidades. Queremos saber o motivo pelo qual os antigos gestores da Semma (Secretaria Municipal de Meio Ambiente) e da Seurb (Secretaria Municipal de Urbanismo), concederam uma licença criminosa, que subtraiu parte do pouco verde que nos resta”, disse, referindo-se à licença concedida pela administração do ex-prefeito Duciomar Costa (PTB) para a instalação de um empreendimento no local. Marinor destaca ainda que, a partir da próxima semana, uma comissão de vereadores constituída por ela passará a acompanhar o caso.
Precisamos evitar que outras áreas, como a que foi desmatada, passem por igual processo de devastação e sejam incorporadas aos ‘coveiros de sonhos’, que agridem a natureza”, denuncia. Já o ex-presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, atual deputado estadual, Augusto Pantoja (PPS), diz que a destruição da fauna e da flora nos empreendimentos da Freire Mello infringem diversas legislações, entre elas, o Plano Diretor Urbano (PDU), a Lei Orgânica do Município e a Constituição do Estado do Pará. “São equívocos primários, que independem de titularidade. Aquela era uma Zona Especial de Interesse Ambiental (ZEIA), de acordo com o disposto no artigo 105 do PDU. O que percebemos é que o Plano Diretor foi completamente ignorado. A cidade só pode se expandir, do ponto de vista urbano, com base no PDU – o que não está acontecendo”, esclarece.
Ele frisa que as ZEIA’s são espaços livres ou ocupados, de domínio público ou privado, que, por apresentar maciços vegetais, deveriam, obrigatoriamente, ser preservados. “É preciso considerar que a lei não trata da dominialidade da terra, e sim da defesa dela. O inciso quarto enquadra, por exemplo, a preservação de área com margens, curso d’água, além de maciços vegetais – o que era o caso naquele local. Nenhum órgão público tem o direito de liberar licença, de doar ou conceder espaço público onde existam áreas que devam ser preservadas”, assevera.
Proteção
Augusto Pantoja, que está encabeçando a comissão de deputados que vai apurar o caso junto ao Ministério Público, também faz menção à Constituição Estadual, que no artigo 252 trata a proteção e melhoria do meio ambiente como temas prioritários. “No artigo 253 consta que, em todas as decisões relacionadas ao meio ambiente, deve ser assegurada a participação popular, ou seja, deveria ter ocorrido, antes da devastação, uma audiência pública com a população do entorno – o que também não houve”, acrescenta. O parlamentar lembra ainda que a Lei Orgânica, no artigo 160, imputa ao município, com colaboração do Estado e da União, a defesa, conservação, preservação e controle do meio ambiente. “Nada disso foi cumprido. Nem o Pacto Federativo, que derrubou a hipótese do terreno ser da Marinha. Aliás, a Marinha não poderia pegar a área verde, se realmente fosse dela, e devastar, e muito menos entregar para ser devastada por terceiros. Este é um patrimônio das presentes e futuras gerações, de acordo com a letra constitucional”, destaca.
Ele diz que há possibilidade de a área, antes de ser devastada, ter ser sido composta por mata primária. “Era um território verde que toda a população de Belém perdeu”, lamenta. Quem também se entristece com o desmatamento desenfreado provocado pela construtora é o sociólogo e ambientalista Camilo Vianna. “Vivemos em uma sociedade de total desrespeito. Aliás, a palavra ‘respeito’ está cada vez mais desconhecida pela população da nossa cidade”, comenta.
De acordo com Vianna, as constantes agressões ao meio ambiente estão transformando Belém em uma capital com temperaturas altíssimas. “Isso é natural, já que estamos acabando com a nossa área verde. Os jardins sumiram e deram lugar a edificações de toda natureza. Os impactos estão aí, calor infernal, ar poluído e enchentes”, enumera. Ele destaca que, enquanto nos demais países as áreas verdes são consideradas prioridades, em Belém, a questão ambiental está no final da fila.

Ministério Público do Estado já requereu licenciamento ambiental da obra
De acordo com o promotor da Justiça de Meio Ambiente, Patrimônio Cultural e Urbanismo de Belém, Raimundo Coelho de Moraes, o procedimento aberto pelo Ministério Público do Estado trata, inicialmente, da questão urbanística da área onde a Freire Mello constrói os empreendimentos. “Um empreendimento desta escala precisa considerar vários reflexos, que deveriam ser avaliados a partir de um Estudo de Impacto de Vizinhança. É uma transformação que vai demandar diversos serviços de infraestrutura, de escoamento de água e esgoto, de resíduos e dejetos, além de atrair atividades colaterais”, argumenta.
Ele diz que, a partir da abertura do procedimento, foram solicitados o licenciamento ambiental, o projeto arquitetônico da obra e o registro de propriedade do terreno, sendo os documentos encaminhados aos técnicos do MPE para avaliação. “A informação que nós levantamos, e que ainda não é a oficial, é que a área foi cedida no período da Segunda Guerra Mundial pela Prefeitura à Marinha. Tanto que em 2006, a Prefeitura requereu de volta o terreno com a intenção de criar uma unidade de preservação ambiental”, destaca o promotor.
Moraes diz que, após a identificação do problema, o encaminhamento pode ter duas vertentes. Na primeira, “se a propriedade não for da Marinha, não poderia ser vendida. Essa hipótese pode se confirmar se o estudo apontar que a lei de 1972 (Lei Nº 5.972/72) – à qual a Marinha se abraça - é considerada inconstitucional, porque quando ela permite que seja feito o registro de imóveis onde qualquer órgão da União estiver presente, está automaticamente ferindo o direito do Pacto Federativo”, explica.
O promotor esclarece ainda que o procedimento correto seria a desapropriação do terreno por parte do município, com indenização prévia – o que não houve. Se essa hipótese se confirmar, será necessário declarar nulo o registro para que a terra volte aos domínios do concessor. “Se a propriedade for do município, está tudo errado lá (no terreno da Independência), e tudo nulo. O empreendimento tem que ser retirado e a área recuperada. Os acertos financeiros são problema da Marinha com a Freire Mello”, enfatiza.
A segunda vertente diz respeito aos impactos ambientais causados à área, que, embora ainda não fosse uma unidade de conservação, estava caminhando para se tornar. Entretanto, Moraes reafirma que o processo ainda está em fase de apuração.
(Jornal O Liberal)

Nenhum comentário:

Postar um comentário