No bairro do Paracuri 2, em Icoaraci,
a rua 1º de Abril faz justiça à data. Foi como se tivesse sofrido na pele a mentira que a moradora
Clíssia da Silva Ribeiro, 32 anos, lembra de ter apertado a mão do prefeito
Zenaldo Coutinho e pedido solução para uma imensa cratera na entrada de uma rua
esburacada, ponto final da linha de ônibus. O prefeito olhou fundo nos olhos de
Clíssia, sorriu e disse que era homem de palavra. Voltaria para dar um jeito na
situação. O buraco permanece há quase um ano do mesmo jeito. E a rua,
selecionada para receber benefícios do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC), só ganhou parte de um calçamento lateral.
“Dia desses um morador cadeirante
quase cai nesse buraco”, reclama Clíssia Ribeiro. Distante poucos metros do local
está o imenso muro de quase um quarteirão, protegendo o terreno pertencente à
família do governador Simão Jatene. A proximidade com membros da elite política
não parece ajudar os moradores do bairro.
O abandono de Icoaraci, um dos
distritos mais rentáveis para a capital Belém, talvez se deva ao afastamento
dos líderes políticos da realidade dos icoaracienses. Recentemente o prefeito
Zenaldo Coutinho precisou ir até o distrito, que ainda sonha com a emancipação.
Optou por não enfrentar o tráfego. Do alto de um helicóptero deve ter visto a
bela paisagem banhada pela baía e um verde que ainda resiste às ocupações desordenadas. E
só.
Fora dos olhares da prefeitura, a
população de Icoaraci tenta dar conta das mazelas. “O lixo quase não é
recolhido por aqui e água não tem”, diz Socorro
Figueiredo, moradora da 7ª Rua, próximo onde a antiga balsa fazia a travessia
para o Outeiro. Há 27 anos Socorro mora em Icoaraci. Menos de 100 metros da
casa dela, o lixo deu origem a um monturo. Nele, um buraco guardava o corpo de
um gato morto. Perto, o menino Micael, passeava de bicicleta.
José Augusto Souza Ferreira, 51 anos,
diz que em muitos locais de Icoaraci, a água do Serviço Autônomo de Água e
Esgoto de Belém (Saaeb) não serve para quase nada. “Ela não chega e quando vem
é ruim, com cor de tucupi, de piçarra. “É uma água que não se bebe”, diz ele,
tentando guardar um pouco numa vasilha para outros usos.
No bairro do Paracuri 1, a brincadeira
é certa quando um carro passa pela 5ª Rua. “Tem barco?
Se chover só de canoa”, diz o velho Diniz, da soleira de um boteco. “Aqui a rua
é abandonada. Não tem iluminação boa, é perigosa para andar à noite. Quando
chove as crianças costumam achar até cobra”, diz Rosicléia Almeida, 21
anos.
Na esquina adiante, dez crianças
brincavam na variação paraense do beisebol. Só que a bola pequena teimava em
ser despachada para a imensa vala que ladeia o Liceu, promissora ideia de
colégio com perfil profissionalizante que segue na dificuldade em se manter.
Resgatar a bola requeria coragem.
Rosicléia Almeida mora em um beco de
palafitas. Quando chove tudo fica alagado. O esgoto é a céu aberto. A coleta de
lixo é incerta. “O lixo fica boiando por aí”, diz ela. A intenção de alguns
moradores é fazer nos próximos dias uma manifestação em frente à agência
distrital. “Estamos nos organizando pra isso”, diz Clíssia Ribeiro.
Lembrança só em época de eleições
Com pouco mais de 200 mil moradores,
segundo o IBGE, Icoaraci tem a economia baseada num dinâmico parque industrial
principalmente nos ramos de pesca, madeira, marcenaria, cerâmica e palmito.
Embora contribua de forma intensa para os cofres de Belém, a dotação
orçamentária destinada ao distrito costuma chegar a apenas R$ 3 milhões.
O distrito tem inchado. Cresce
desordenadamente. O trânsito é confuso, os índices de violência aumentam, a
qualidade de vida cai. Nas paradas de ônibus, a aglomeração é constante. E o
que Icoaraci tinha de melhor, o clima de cidade pequena, com casarões
históricos, desaparece gradativamente. A Cooperativa de Artesãos de Icoaraci
(Coarti) se transformou num local abandonado, com pichações e zero movimentação
cultural. Situação idêntica atravessa a histórica Biblioteca Avertano Rocha.
A passagem onde mora Raimundo
Tarcílio, próximo a Trav. Berredos, alaga, a água é suja, e a rua escura. “As
dificuldades aqui são de tudo quanto é tipo”, diz ele. Tarcílio diz que na
época da eleição, todos os candidatos passaram por lá. Apertaram mãos, sorriram,
fizeram promessas. Elas não têm sido cumpridas. “Na hora do voto, já sabe que
eles vêm”, diz. Tarcílio não perde a esperança de que algo melhore. Afinal,
caso o prefeito não saiba, ele mora perto da Alameda Herdeiros das Promessas.
Disso, portanto, o morador de Icoaraci entende.
(Diário do Pará)


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